Apesar de algumas iniciativas pioneiras já existirem anteriormente à pandemia de COVID-19 em determinados órgãos do governo, o teletrabalho no serviço público, que inicialmente foi visto como uma medida emergencial, tem sido cada vez mais formalizado através de regulamentações específicas que visam garantir a continuidade desta modalidade.
Por meio dela, viabiliza-se que servidores públicos realizem suas atividades fora dos repartimentos públicos tradicionais, contribuindo para a eficiência administrativa e a redução de custos operacionais.
Neste artigo, portanto, exploraremos as regulamentações, benefícios e desafios do trabalho remoto no serviço público.
Conceito de teletrabalho
O teletrabalho no serviço público, também conhecido como trabalho remoto ou home office, consiste na realização de atividades laborais fora das dependências físicas tradicionais, utilizando tecnologias da informação.
Já em 2011 a Lei 12.551 foi um marco ao equiparar os efeitos jurídicos do trabalho remoto ao presencial, de maneira geral. Para o Poder Judiciário, especificamente, a CNJ com sua Resolução nº 227 de 15/06/2016 foi uma das pioneiras a abordar este tema com especial detalhamento.
Contudo, foi no período da pandemia de COVID-19 que a expansão se consolidou. No primeiro ano da crise sanitária, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal – ligada ao Ministério da Economia – publicou a Instrução Normativa nº 65, de 30 de julho de 2020, que previu a possibilidade de realização do teletrabalho na Administração Pública Federal por meio da implementação de Programa de Gestão e, após dois anos, foi publicado o Decreto nº 11.072/2022, sobre o qual trataremos a seguir.
Teletrabalho no serviço público
Em 2022, a atualização da regulamentação do teletrabalho no governo federal trouxe mais clareza sobre as regras e critérios que envolvem essa modalidade e, passada a pandemia, muitos órgãos a mantiveram, ainda que de forma híbrida.
No entanto, o debate sobre o futuro do teletrabalho inclui questões sobre como equilibrar os benefícios com os desafios de produtividade e os impactos na saúde mental dos servidores. Por isso, abordaremos alguns pontos importantes que precisam ser levados em consideração para garantir que o teletrabalho no serviço público seja eficaz e sustentável.
Regulamentações vigentes
Atualmente, o teletrabalho no governo federal é regulamentado, principalmente, pelo Decreto nº 11.072/2022, que dispõe sobre o Programa de Gestão e Desempenho – PGD da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
O PGD implementou uma nova forma de interação entre os servidores e o órgão público, ao substituir o controle convencional de frequência por ferramentas de gestão focadas em resultados e produtividade.
As regras do PGD – como o alcance de metas, por exemplo – podem valer tanto para o trabalho executado de forma presencial como na modalidade de teletrabalho no setor público, promovendo e incentivando uma cultura de planejamento institucional.
O Decreto é regulamentado pelas Instruções Normativas nº 24/2023 e 52/2023, que detalham as condições e os requisitos para que os servidores públicos possam aderir ao PGD e define como o trabalho remoto pode ser implementado, delineando metas e monitoramento da produtividade dos servidores.
Resumidamente, o decreto e tais instruções normativas definem:
- Os tipos de atividades que podem ser realizadas por meio dos planos de trabalho;
- O quantitativo de vagas que devem ser observado por órgãos e entidades;
- Vedações à participação, dependendo dos vínculos e situação funcional de servidores;
- Discussões sobre o nível de produtividade a ser buscado por servidores em teletrabalho;
- O conteúdo mínimo a ser observado nos termos de ciência e responsabilidade de participantes do PGD;
- Prazos de antecedência mínima para convocações e comparecimento;
- O pagamento de adicionais ocupacionais;
- Medidas conhecidas como “Política de consequências”, para casos em que o plano de trabalho seja avaliado como inadequado por execução abaixo do esperado, inexecução total ou parcial; e
- As condições para o teletrabalho no Exterior.
Além disso, este programa permite que o teletrabalho no serviço público seja adotado em regime parcial ou integral, desde que sejam atingidas metas de desempenho definidas para monitorar e avaliar a produtividade dos servidores que optam por essa modalidade.
A implementação dessa modalidade visa, entre outros pontos, a redução de custos operacionais e a melhoria da qualidade de vida dos servidores.
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Necessidade da presença física do servidor e tarefas que podem ser realizadas de forma remota
Embora o teletrabalho no serviço público traga muitos benefícios, nem todas as atividades podem ser realizadas remotamente.
Esta divisão entre as funções remotas e presenciais é definida pelas características do cargo, e cada órgão público deve determinar quais atividades podem ser realizadas a distância sem comprometer o desempenho das suas funções essenciais.
Funções que exigem atendimento ao público, manipulação de documentos físicos ou fiscalização de serviços, por exemplo, apresentam os maiores desafios, pois tradicionalmente demandam a presença física do servidor.
Nessas situações, é justificável requerer que os servidores estejam continuamente presentes durante os dias e horários de funcionamento da instituição. Isso pode ser assegurado por meio de jornadas totalmente presenciais ou por meio de jornadas mistas, nas quais os servidores se revezam entre o trabalho presencial e remoto, conhecido como regime híbrido ou teletrabalho parcial.
Por outro lado, atividades relacionadas à análise de dados, elaboração de relatórios, suporte técnico ou desenvolvimento de sistemas são mais facilmente adaptáveis ao home office no serviço público.
Quando pode haver o teletrabalho?
Como já mencionamos, o teletrabalho no serviço público pode ser implementado de forma integral ou parcial, dependendo da natureza do cargo e das metas a serem atingidas.
A participação no PGD é voluntária, e deve ser aprovada pela chefia imediata, com metas claras de produtividade, dependendo de vários fatores, como o tipo de atividade e o desempenho do servidor.
Para servidores que aderem ao modelo de teletrabalho, é necessário que tenham cumprido pelo menos um ano de estágio probatório, conforme as regras estabelecidas pelo Programa de Gestão e Desempenho.
Em situações de transferência de um servidor público entre órgãos ou entidades, será obrigatório comparecer ao escritório durante 6 meses antes de iniciar o trabalho remoto – independentemente da modalidade em que se encontrava antes. Existe ainda a opção de desempenhar a função residindo no exterior, contudo, as vagas para essa modalidade são restritas a 2% do total de servidores de cada órgão participante do programa.
Ainda, destacamos que é vedada a adesão ao banco de horas no serviço público no âmbito do PGD. De acordo com a Instrução Normativa 52/2023, os participantes do PGD não podem aderir ao banco de horas da IN 2/2018. Caso o servidor tenha créditos ou débitos em banco de horas acumulados antes da entrada no PGD, eles deverão ser registrados no Termo de Ciência e Responsabilidade (TCR) para que o participante possa compensar ou usufruir dessas horas no prazo de até seis meses, a partir do seu ingresso no PGD.
Contrapartidas pelo teletrabalho
Para que o teletrabalho funcione de maneira eficiente, há responsabilidades essenciais da parte do servidor, devendo:
- Garantir e custear a infraestrutura necessária para o desenvolvimento de suas atividades, como computador, equipamentos e internet;
- Disponibilizar um número de telefone de contato ao público interno e externo; e
- Manter-se disponível durante o horário de expediente.
Importante destacar que o teletrabalho no serviço público, assim como o trabalho presencial, está sujeito às normas de conduta e integridade, incluindo a Lei de Improbidade Administrativa. Desvios de conduta, como desvio de função, abuso de poder ou utilização indevida de recursos, mesmo em trabalho remoto, podem ser caracterizados como atos de improbidade.
Caso ocorra a suspeita de práticas indevidas no teletrabalho, como desídia ou não cumprimento das metas estabelecidas, o servidor pode ser submetido a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Este procedimento investiga a conduta do servidor e pode levar a sanções, incluindo advertências ou demissão, dependendo da gravidade da infração – contexto no qual surgem o Acordo de não persecução civil (ANPC) e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
O regime de teletrabalho não pode implicar em redução de remuneração, a menos que haja uma alteração formal na carga horária ou nas funções exercidas, que deve seguir os trâmites legais e respeitar os direitos adquiridos. Afinal, a irredutibilidade de vencimentos é um direito constitucional.
Além disso, é importante ressaltar que o tempo de serviço prestado em teletrabalho também é computado normalmente para fins de aposentadoria, assim como em qualquer outro regime de trabalho.
Como é o processo para adesão ao teletrabalho
A instituição do PGD em um órgão ou entidade da Administração Pública deve ser formalizada através de uma portaria, incluindo regras específicas como tipos de atividades, vagas disponíveis, e conteúdo do termo de ciência e responsabilidade. Assim, a adesão do órgão ao teletrabalho depende da autorização por seu dirigente máximo e instituição pela respectiva portaria.
Uma vez instituída a possibilidade de teletrabalho na repartição, seja ele parcial ou integral, a adesão ao teletrabalho pelo servidor dependerá de quatro regras:
- Critérios de seleção: quando o número de interessados exceder o número de vagas disponíveis, a seleção dos participantes será feita de modo impessoal, com base em critérios como atividades a serem desempenhadas e experiência dos interessados.
- Compatibilidade do teletrabalho: o teletrabalho depende de um acordo mútuo entre o servidor e a Administração, garantindo compatibilidade com as atividades a serem desenvolvidas e a ausência de prejuízo para a Administração.
- Formalização: para aderir ao PGD, o agente público e sua chefia imediata devem firmar um plano de trabalho, contendo informações mínimas como data de início e término, atividades a serem executadas, metas, prazos e o termo de ciência e responsabilidade.
- Registro e acompanhamento: o teletrabalho deve ser acompanhado por um sistema informatizado de controle, permitindo monitoramento eficaz das atividades desenvolvidas pelo servidor.
Em resumo, cumpridas as condições, o processo de adesão ao teletrabalho pelo servidor público envolve o preenchimento de um plano de trabalho, em conjunto com a chefia direta. Os critérios de avaliação do plano de trabalho estabelecidos pela chefia devem constar no termo de ciência e responsabilidade (TCR), conforme IN 21/2024.
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Vantagens do teletrabalho no serviço público
Entre os principais benefícios do teletrabalho no serviço público para os servidores estão a flexibilidade de horários, a economia com deslocamentos e a possibilidade de conciliar melhor a vida profissional com a pessoal.
Já para a Administração Pública, o teletrabalho pode representar uma redução significativa nos custos operacionais, como o consumo de energia e manutenção de espaços físicos. Além disso, a produtividade dos servidores tende a aumentar com o trabalho remoto, desde que o monitoramento das metas seja eficaz, por meio de uma gestão focada em resultados.
Apesar das vantagens destacadas serem importantes, o sucesso da crescente adoção do trabalho remoto no serviço público depende de fatores como capacitação e boa comunicação. Por este motivo, precisamos falar também dos desafios e riscos do teletrabalho integral.
Desafios e riscos do teletrabalho no serviço público
No âmbito do teletrabalho no serviço público, as fraquezas, especialmente a falta de preparação tanto dos servidores quanto dos gestores, podem comprometer a eficácia do modelo de trabalho.
O Programa de Gestão e Desempenho – PGD tem potencial para melhorar a produtividade e a qualidade de vida dos servidores públicos, mas também enfrenta desafios, como a resistência cultural à mudança e a necessidade de adequação tecnológica.
Além disso, a adoção do PGD no setor público brasileiro ainda está em processo de expansão e aprimoramento. A transição para esse novo modelo de gestão exige mudanças culturais profundas, especialmente na forma como os servidores e gestores percebem o controle de produtividade.
Neste ponto é importante destacar que o teletrabalho não se confunde com quaisquer modalidades de afastamento ou licença dos servidores públicos, pois não representa uma ausência do trabalho, mas tão somente a sua realização fora das dependências físicas do órgão.
Um outro desafio é a falta de interação social entre os servidores, o que pode impactar a cultura organizacional e a integração das equipes, por exemplo.
Ainda, a infraestrutura pode ser um problema para servidores que não possuem um ambiente adequado para o trabalho remoto, o que pode impactar diretamente no seu desempenho e saúde mental.
Por isso, a necessidade de treinamento contínuo e a adaptação tecnológica são aspectos essenciais para o sucesso do PGD.
Conclusão
Embora o teletrabalho no serviço público tenha sido uma solução emergencial durante a pandemia, ele apresenta potencial para ser uma modalidade de trabalho permanente na Administração Pública brasileira, representando uma grande oportunidade de modernização e redução de gastos do setor.
Ao mesmo tempo que oferece maior flexibilidade e qualidade de vida para os servidores públicos, ele apresenta desafios que precisam ser superados para garantir a eficiência e a continuidade dos serviços prestados à população.
Com a regulamentação adequada e o monitoramento eficaz da produtividade, o teletrabalho tem potencial para se consolidar como uma solução sustentável para o futuro do trabalho no setor público.
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Excelente artigo