Tornar-se servidor público é o sonho de milhares de brasileiros e compreender os diversos aspectos dessa carreira é essencial para quem se prepara para concursos.
Além da estabilidade e das garantias constitucionais, como a irredutibilidade de vencimentos, o servidor público tem acesso a direitos como licenças específicas, férias prêmio e aposentadoria diferenciada.
Contudo, a jornada até a nomeação pode trazer algumas dúvidas, especialmente quando se trata de concursos que preveem a formação de cadastro de reserva. Afinal, o que isso significa na prática? Existe direito à nomeação? Qual a segurança jurídica desse modelo?
Neste artigo, vamos explorar o que é o cadastro de reserva, como ele funciona e as implicações legais que o cercam, incluindo os direitos dos candidatos, as diferenças com as cotas e até as propostas legislativas que buscam reformular esse sistema.
O que é o cadastro de reserva em concursos públicos?
O cadastro de reserva em concursos públicos representa um grupo de candidatos aprovados que podem ser convocados durante o prazo de validade do concurso, a depender da necessidade da Administração Pública.
Diferente das vagas imediatas, cujo provimento é certo e previsto no ato de abertura do certame, o cadastro de reserva funciona como uma “lista de espera” à disposição da Administração, sem garantia de nomeação.
Um mesmo concurso geralmente prevê o preenchimento de vagas imediatas e, simultaneamente, a formação de um cadastro de reserva, que é chamado conforme o surgimento de vagas, como forma de evitar a necessidade de novos certames sempre que houver vacância.
Assim, o cadastro de reserva representa uma alternativa que permite ao órgão público suprir demandas futuras sem a necessidade de realizar novos concursos constantemente, promovendo, assim, maior eficiência administrativa.
Nesse contexto, o Decreto 9.739/2019, que regulamenta os concursos públicos no âmbito federal, estabelece em seu artigo 28 que, desde que não se ultrapasse 25% da quantidade original de vagas e durante o período de validade do concurso, é legal nomear candidatos que estejam no cadastro de reserva. Isso significa que a legislação brasileira prevê a possibilidade de convocação desses candidatos caso surjam novas vagas dentro desse limite.
No entanto, é importante destacar que a aplicação desse decreto está restrita à Administração Pública federal, de modo que concursos estaduais e municipais podem ter regras diferentes.
Além da legislação pertinente, é preciso avaliar o respectivo edital do concurso público, pois é este documento que detalha os critérios de aprovação e a previsão do cadastro de reserva para os candidatos aprovados para além do número de vagas imediatas.
Pode haver concurso apenas para cadastro de reserva?
Sim, é possível realizar concursos exclusivamente para formação de cadastro de reserva, conforme previsto no artigo 29 do Decreto 9.739/2019. No entanto, essa possibilidade só se concretiza quando não é possível determinar, no prazo de validade do concurso, a quantidade de vagas que precisarão ser preenchidas imediatamente após a homologação dos resultados.
Essa medida é considerada excepcional e requer uma justificativa explícita por parte do órgão público, demonstrando a inviabilidade de especificar o número exato de vagas para provimento imediato.
A Administração Pública tem promovido este tipo de concurso quando o prazo de validade de um concurso anterior está perto do fim, mas ainda não terminou, para que não fique sem candidatos disponíveis para nomeação. Isso porque, a realização de novo concurso durante a validade de concurso anterior pode acarretar discussões judiciais sobre sua validade ou a preterição dos candidatos pré aprovados, como veremos adiante.
Em contraste com o decreto vigente, o Projeto de Lei 3.711/2023 propõe proibir a realização de concursos públicos destinados exclusivamente ao cadastro de reserva, exigindo que todos os concursos futuros indiquem de forma explícita o número de vagas a serem preenchidas durante a sua validade. Contudo, até o momento, o projeto ainda está em fase de tramitação no Poder Legislativo brasileiro, aguardando análise, discussão e votação.
Diferenças entre cadastro de reserva e reserva de vagas (cotas)
Embora os termos possam parecer semelhantes, é fundamental distinguir o cadastro de reserva da reserva de vagas (cotas). O cadastro de reserva corresponde a uma lista de candidatos aprovados além do número de vagas imediatas, aguardando possível convocação futura.
Por outro lado, a reserva de vaga em concurso público refere-se a um percentual de vagas destinado a grupos específicos da sociedade, como pessoas com deficiência, negras e indígenas. O objetivo das cotas é promover a inclusão e garantir que indivíduos pertencentes a grupos historicamente marginalizados tenham maior acesso às oportunidades oferecidas por concursos públicos, universidades e outras instituições.
Vale ressaltar que pode haver reserva de vagas dentro do cadastro de reserva, ou seja, mesmo na lista de espera, pode haver uma divisão que assegure vagas específicas para candidatos que se enquadrem nos critérios de vulnerabilidade social.
Como funciona o cadastro de reserva?
O cadastro de reserva em concursos públicos funciona como uma fila de espera, em que os candidatos aprovados, mas que não foram nomeados de imediato, permanecem aguardando convocação. A chamada dos candidatos deve seguir rigorosamente a ordem de classificação obtida no concurso.
Inicialmente, são chamados os candidatos classificados para as vagas imediatas previstas no edital. Após a homologação do concurso, o órgão público responsável pode recorrer ao cadastro de reserva para futuras nomeações, conforme a necessidade de preenchimento de novas vagas.
É obrigatório convocar o cadastro de reserva?
Não há obrigatoriedade legal de convocação dos candidatos que fazem parte do cadastro de reserva em concursos públicos. A nomeação depende exclusivamente da disponibilidade de vagas dentro do prazo de validade do concurso.
Portanto, a convocação dos candidatos aprovados no cadastro de reserva representa uma discricionariedade da Administração Pública, que possui a liberdade de nomear ou não, de acordo com suas necessidades e critérios administrativos.
Em outras palavras, o candidato aprovado no cadastro de reserva tem apenas uma expectativa de direito, e não um direito subjetivo à nomeação. Somente os candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no edital é que possuem o direito subjetivo à nomeação, conforme previsto no Tema 161 do STF.
Entretanto, existem algumas situações – em geral de descumprimento da ordem de classificação – que podem tornar essa expectativa em um direito subjetivo à convocação, fazendo, de certa forma, que a convocação do cadastro de reserva seja obrigatória, como explicaremos adiante.
Regras de convocação
As regras para convocação dos candidatos do cadastro de reserva podem variar conforme o edital de cada concurso, mas seguem alguns princípios gerais. A convocação ocorre na ordem de classificação, garantindo que o primeiro colocado seja chamado assim que surgir uma vaga.
Caso um candidato convocado não aceite a vaga, não atenda aos requisitos exigidos ou não compareça no prazo determinado, ele pode ser desclassificado, e a oportunidade será oferecida ao próximo da lista.
A convocação é realizada por meio de publicações oficiais, como diários oficiais ou por comunicação direta com os candidatos. É essencial que os aprovados mantenham os contatos atualizados e acompanhem as publicações para não perderem a oportunidade.
Tempo de duração do cadastro de reserva
Embora a legislação não determine um prazo específico para a nomeação e posse dos candidatos do cadastro de reserva, a Constituição estabelece o prazo máximo de validade dos concursos públicos. De acordo com o art. 37, inciso III, o prazo de validade do concurso é de até dois anos, podendo ser prorrogado uma única vez, totalizando quatro anos.
Além disso, o inciso IV do mesmo artigo assegura que, durante o prazo de validade do concurso, a convocação dos candidatos aprovados terá prioridade sobre novos concursos.
Durante esse período, as convocações ocorrem sempre que surgem vagas, seja por aposentadoria, demissão ou outros motivos. No entanto, isso não significa que o candidato aprovado no cadastro de reserva tenha garantia de nomeação, apenas uma expectativa de direito, que depende da necessidade administrativa e da existência de vagas.
Um candidato eliminado pode ser convocado se sobrarem vagas?
A aprovação em um concurso público depende do alcance da pontuação mínima estabelecida no edital. Caso o candidato não obtenha a nota mínima exigida, ele é considerado eliminado e, portanto, não poderá ser convocado mesmo que sobrem vagas ao final da validade do concurso.
Na hipótese de haver falta de candidatos aprovados para preenchimento de vagas remanescentes, a Administração Pública deve realizar um novo concurso, e não convocar candidatos que não atingiram o desempenho mínimo estabelecido.
O cadastro de reserva garante nomeação?
O cadastro de reserva em concursos não assegura automaticamente a nomeação dos candidatos aprovados. No entanto, embora aqueles que constam nessa lista não tenham direito imediato à vaga, há sim o direito de se seguir a ordem de classificação, de modo que, quando descumprida, pode surgir o direito à convocação.
A simples convocação de candidatos fora da ordem de classificação é a mais óbvia dentre estas situações, denominada de preterição na nomeação.
Quando há desistência ou desclassificação de candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no edital, a Administração Pública deve convocar os próximos classificados no cadastro de reserva que têm direito à nomeação, garantindo o cumprimento da ordem de classificação e a continuidade do processo seletivo.
Também, quando surgem novas vagas ou quando um novo concurso é aberto durante a validade do certame anterior. Nessas circunstâncias, apesar de a nomeação não ser automática, a Administração Pública deve convocar os candidatos do cadastro de reserva do concurso, respeitando a ordem de classificação.
No entanto, a preterição também pode ocorrer em cenários menos evidentes.
Por exemplo, se a Administração Pública realizar uma contratação precária para funções correspondentes às do cargo em questão durante a validade do concurso, isso também pode configurar preterição dos candidatos aprovados. Nesses casos, os candidatos do cadastro de reserva não chamados podem recorrer à Justiça para reivindicar a nomeação, uma vez que a contratação de terceiros para a mesma função pode violar os princípios da Administração Pública e os direitos dos aprovados.
Preterição na ordem de classificação
A preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação ocorre quando um candidato aprovado é substituído por outro, mesmo atendendo a todos os requisitos exigidos no edital. Isso significa que o candidato é indevidamente preterido, apesar de ter sido classificado dentro das vagas disponíveis e cumprir todas as condições do certame. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou diversas vezes sobre o tema.
A Súmula 15 do STF trata dessa situação, determinando que, se a Administração Pública desrespeitar a ordem de classificação e nomear candidatos fora da sequência, o candidato preterido pode exigir sua convocação, desde que o concurso ainda esteja dentro do seu prazo de validade. Nesses casos, o candidato prejudicado pode recorrer à Justiça, pois a preterição configura uma violação ao seu direito de ser nomeado conforme a classificação obtida.
O Tema 683 do STF, mais recente, reforçou que a preterição precisa ter ocorrido durante a validade do concurso para que garanta o direito à nomeação de candidato aprovado em cadastro de reserva de concurso – ainda que a ação seja ajuizada posteriormente.
Ainda, o Tema 784 do STF esclarece que a criação de novas vagas ou a abertura de um novo concurso não garante automaticamente a nomeação dos candidatos do cadastro de reserva, salvo em casos de preterição injustificada pela Administração Pública.
Contratação precária e desvio de função em cargo público
A contratação precária no serviço público, que inclui práticas como terceirização e contratações temporárias, bem como o desvio de função em cargo público, também podem representar uma preterição na nomeação, tornando-se passíveis de questionamento.
A terceirização de atividades essenciais em órgãos públicos tem sido amplamente criticada, especialmente quando contratações precárias ocupam funções que deveriam ser preenchidas por servidores públicos concursados.
Um exemplo foi o julgamento da Denúncia n. 838509 pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) sobre a contratação de funcionários terceirizados para exercício de funções exclusivas do Estado, no Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), destacando que tais práticas ferem o princípio do concurso público previsto no artigo 37, inciso II, da Constituição.
O desvio de função em cargo público acontece quando um servidor assume funções diferentes daquelas para as quais foi aprovado. A preterição na nomeação pode ocorrer quando, durante o prazo de validade do concurso, a Administração Pública opta por alocar servidores em desvio de função para desempenhar atividades correspondentes ao cargo para o qual o candidato foi aprovado.
Nessa hipótese, ao deixar de convocar os aprovados no cadastro de reserva e utilizar servidores não investidos formalmente na função, a Administração frustra a legítima expectativa de nomeação, configurando violação ao princípio da legalidade e à ordem classificatória do certame.
A jurisprudência reforça que a contratação precária, seja por terceirização ou contratação temporária, para funções já previstas em concursos públicos vigentes, configura preterição dos candidatos aprovados e desvio de finalidade. A 3° Turma do TST, em sede se agravo de instrumento, já decidiu que a contratação de terceirizados para exercer atribuições equivalentes às de cargos com candidatos aprovados em concurso vigente caracteriza desvio de função em cargo público, evidenciando a necessidade de nomeação dos candidatos aprovados.
Conclusão
O cadastro de reserva funciona como uma lista de espera para candidatos aprovados, mas que não foram nomeados imediatamente, com a possibilidade de convocação durante a validade do concurso.
Embora o cadastro de reserva não garanta a nomeação, ele oferece uma chance real para quem está na lista, dependendo de situações como a desistência de candidatos ou a abertura de novas vagas. Fatores como preterição e contratações irregulares podem gerar direitos para os candidatos do cadastro de reserva, que, em casos específicos, podem recorrer judicialmente para garantir sua nomeação.
Dessa forma, embora muitos candidatos se perguntem se o cadastro de reserva vale a pena, é essencial entender que, apesar da incerteza, há condições específicas que podem garantir a nomeação. Além disso, irregularidades em contratações precárias ou mesmo desvio de função em cargo público podem impactar a nomeação dos candidatos aprovados, que podem recorrer à Justiça para que sejam devidamente nomeados como servidores públicos.
Com tantas variáveis envolvidas, é fundamental estar bem informado sobre os direitos e as regras que regem os concursos públicos, acompanhando o concurso até o fim de sua validade e sabendo identificar as possíveis irregularidades mencionadas.
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