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Cláusula de sucessão em contrato social em caso de falecimento dos sócios

Cláusula de sucessão em contrato social - José Rubens Costa Consultoria Jurídica e Advocacia

A morte de um dos sócios de uma empresa pode desencadear conflitos, disputas familiares e, em casos extremos, a própria dissolução da sociedade, comprometendo o legado construído ao longo de anos.

A cláusula de sucessão em contrato social é um dos principais instrumentos de um planejamento sucessório estratégico de longo prazo e pode garantir a continuidade de uma empresa mesmo após a morte de um dos sócios. Essa disposição permite que os sócios definam antecipadamente o destino das quotas (ou cotas) sociais em situações de substituição na titularidade societária, inclusive em caso de morte de um deles, mitigando riscos e protegendo o negócio.

Neste artigo, exploraremos a herança de quotas sociais e a relevância da cláusula de sucessão em contrato social, suas conexões com outros instrumentos de planejamento sucessório e exemplos de cláusulas que podem ser adotadas para atender às particularidades de cada sociedade.

 

Sucessão empresarial: herança de cotas societárias

A sucessão empresarial é o processo de transmissão das cotas de um sócio falecido aos seus herdeiros ou sucessores. Conforme estabelecido no artigo 1.028 do Código Civil, no caso da morte de um dos sócios, salvo disposição contratual diferente, não haverá a dissolução da sociedade. Pelo contrário, em regra, a participação do sócio falecido será liquidada e o valor será pago aos herdeiros.

A liquidação, apesar de ser a regra, pode representar um desafio financeiro considerável para a sociedade. Após a apuração dos haveres do sócio falecido, a sociedade precisará dispor de recursos para pagá-los, podendo comprometer seu capital de giro e sua capacidade de investimento.

Por outro lado, a liquidação prevista em lei visa manter o controle da empresa com os sócios remanescentes e mitigar potenciais conflitos que poderiam surgir com a chegada de novos membros que nem sempre têm a experiência necessária e alinhamento estratégico. Preserva-se, deste modo, a continuidade da empresa.

No entanto, havendo disposição no contrato social, os sócios remanescentes poderão optar pela dissolução da sociedade no caso em questão. Da mesma forma, também há previsão legal para que, mediante acordo, os herdeiros sejam admitidos na sociedade.

Assim, a cláusula de sucessão é um recurso para que os sócios tenham a liberdade de escolher os rumos da empresa após o falecimento de um deles, uma vez que a mudança do quadro societário pode gerar instabilidade.

 

ITCMD na sucessão empresarial

Também é importante destacar que a transmissão da herança de quotas sociais por força da sucessão está sujeita à incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O ITCMD é um imposto estadual a ser pago sempre que houver transmissão de bens ou direitos por sucessão ou doação. Atualmente as alíquotas variam, conforme o valor do patrimônio transmitido e o estado em questão, entre 2% e 8% e, com a reforma tributária, o ITCMD passará a ter alíquotas progressivas.

A base de cálculo do ITCMD sobre as quotas sociais geralmente corresponde ao valor patrimonial da participação, embora a legislação estadual possa prever outras formas de avaliação. A necessidade de apurar o valor das quotas para fins de inventário e partilha, bem como para o cálculo do ITCMD, pode ser um processo complexo e, muitas vezes, litigioso, especialmente na ausência de critérios claros definidos previamente pelos sócios.

Como alternativa para mitigar os reflexos do aumento da alíquota do ITCMD em casos como esses, muitas empresas familiares optam pela constituição de uma holding familiar. A holding familiar concentra a administração do patrimônio de uma família, incluindo participações em outras empresas.

Além de facilitar o planejamento sucessório, com a holding é possível estabelecer regras sobre a gestão e distribuição do patrimônio, garantindo maior controle nas sucessões. No que se refere ao caso em análise, a vantagem da holding é que há a possibilidade da transferência de quotas para os herdeiros em vida, mantendo o usufruto e gerando um valor tributável reduzido.

 

O que é a cláusula de sucessão?

A cláusula de sucessão em contrato social tem por objetivo regular a transferência das quotas de um sócio a terceiros, estabelecendo regras claras para situações em que haja substituição na titularidade societária. Ela pode abranger qualquer hipótese de sucessão empresarial, como: a saída voluntária de um dos sócios, por meio da venda de suas quotas, a exclusão de um sócio, a doação em vida, a aposentadoria, a interdição ou, o tema central deste texto, a herança de quotas sociais pelo falecimento de um dos sócios.

Sua função é proteger a estrutura societária, preservar a harmonia entre os sócios remanescentes e evitar que pessoas estranhas à sociedade ingressem sem consentimento, garantindo, assim, segurança jurídica e continuidade dos negócios.

Do ponto de vista da sucessão causa mortis, seu intuito é que, em vida, os sócios definam as regras que prevalecerão no caso da morte de um deles, garantindo a autonomia de sua vontade e a continuidade (ou não) da empresa.

O já mencionado artigo 1.028 do Código Civil viabiliza a existência da cláusula de sucessão quando dispõe que, no caso da morte do sócio, a quota será liquidada, salvo “disposição contratual em contrário”. A cláusula de sucessão, então, é justamente uma forma de se “prever o contrário”, ou um caminho diferente daquele previsto na legislação. Complementarmente, no artigo 997, inciso IV, da mesma lei, é definido que o contrato social deverá mencionar as quotas de cada sócio e o modo de realizá-las, o que nem sempre acontece.

De todo modo, é importante frisar que a existência de cláusula de sucessão em contrato social não dispensa o processo de inventário do sócio falecido. O inventário é o procedimento necessário para levantar todos os bens, direitos e obrigações deixados pelo falecido, incluindo as quotas sociais, além de promover a sua partilha entre os herdeiros.

A cláusula de sucessão, por sua vez, serve para regulamentar como as quotas do sócio serão tratadas dentro desse inventário, sendo uma das obrigações do inventariante respeitar tais regras. Ela definirá, por exemplo:

  • Se os herdeiros terão direito a ingressar na sociedade e sob quais condições;
  • Se os sócios remanescentes terão preferência na aquisição das quotas;
  • Se as quotas serão compulsoriamente liquidadas;
  • Os critérios de apuração de haveres de sócio falecido.

 

Cláusula de sucessão e testamento

O destino de quotas sociais após o falecimento de um sócio também pode ser definido em um testamento deixado pelo sócio.

Conforme o artigo 1.857 do Código Civil, toda pessoa pode dispor, por testamento, da totalidade de seu patrimônio, ou parte dele, após sua morte. Assim, o testamento, como instrumento do planejamento sucessório, pode tratar da transmissão das quotas sociais de um sócio falecido. No entanto, ele, por si só, não confere ao legatário ou herdeiro o direito automático de ingressar na sociedade.

O testamento dispõe sobre a propriedade das quotas como parte do patrimônio do falecido, mas não tem o poder de alterar as regras de funcionamento interno da sociedade, regidas pelo contrato social. É a cláusula de sucessão do contrato social que estabelece as condições para o ingresso de novos sócios, o direito de preferência dos remanescentes, ou a obrigatoriedade de liquidação da participação.

Ademais, o testamento é unilateral e revogável a qualquer momento, ao contrário das cláusulas sucessórias, fruto da vontade dos sócios e modificáveis apenas pelo consenso entre as partes.

Deste modo, pode-se dizer que, via de regra, havendo contradições entre o que foi estabelecido no contrato social e a vontade do falecido exprimida no testamento, as regras do contrato social, pactuadas pelos sócios em vida para reger a sociedade, tendem a prevalecer sobre a disposição testamentária.

Para evitar esses conflitos, é essencial que o planejamento sucessório seja realizado de forma integrada, elaborando o testamento e a cláusula de sucessão do contrato social com o auxílio de profissionais especializados, a fim de que um complemente o outro.

 

Doação de quotas societárias com reserva de usufruto

A doação de quotas sociais com reserva de usufruto é uma estratégia que tem sido muito utilizada recentemente no planejamento sucessório empresarial. Diferentemente da cláusula de sucessão e do testamento, que operam a transmissão após a morte, a doação de quotas sociais com reserva de usufruto permite a sucessão antecipada, ou seja, a transferência da propriedade das quotas ainda em vida pelo sócio.

Ao realizar a doação de quotas societárias, o sócio transfere a propriedade dessas quotas aos donatários (em regra, seus herdeiros), mas reserva para si o usufruto, nos termos do artigo 1.390 e seguintes do Código Civil.

A reserva de usufruto confere ao doador o direito de usufruir das quotas, o que, no contexto societário, geralmente significa manter o controle sobre a sociedade e continuar recebendo os frutos de sua participação (lucros) enquanto estiver vivo, mesmo já tendo transferido a propriedade das quotas.

Com essa doação, o sócio organiza a sucessão ainda em vida, antecipando a transferência dos ativos de modo que estes não serão partilhados no inventário. Há de se destacar que também há incidência do ITCMD sobre doação de quotas sociais que até pode ter uma alíquota mais favorável, a depender da legislação estadual. De toda forma, os benefícios tributários não são o principal atrativo da doação, e sim a baixa complexidade da operação e a certeza de que as quotas sociais, desde já, pertencem ao herdeiro desejado.

É importante salientar que a doação de quotas societárias com reserva de usufruto pode ser utilizada de forma complementar à cláusula de sucessão em contrato social, por exemplo, para definir o destino das quotas em vida, enquanto a cláusula de sucessão pode tratar de outras eventualidades ou complementar as regras da doação.

Por fim, é imprescindível que a doação seja formalizada por meio de contrato escrito, com a devida alteração no contrato social para refletir a nova titularidade das quotas e a reserva de usufruto, garantindo a segurança jurídica da operação.

 

Exemplos de cláusulas de sucessão em caso de falecimento de um sócio

Se redigidas com o auxílio de especialistas em direito sucessório e empresarial para evitar ambiguidades, as cláusulas de sucessão são instrumentos poderosos para garantir que a vontade dos sócios seja cumprida e a sociedade se mantenha estável, mesmo após o falecimento de um dos sócios. A legislação brasileira permite que as cláusulas sejam criadas com flexibilidade, conforme os interesses da sociedade.

Entretanto, sua elaboração deve observar todos os aspectos legais envolvidos, como as regras específicas aplicáveis ao tipo societário, as normas de sucessão, regimes de casamento dos sócios envolvidos e a existência de testamento. Igualmente, devem prezar pela clareza e precisão, utilizando a linguagem adequada, evitando termos ambíguos e definindo o procedimento claramente. Devem também prevenir conflitos, estabelecendo critérios objetivos para a avaliação das quotas e mecanismos para a resolução de disputas.

Seja para liquidar as quotas, definir o direito de preferência sobre as quotas, excluir ou permitir o ingresso de herdeiros, a escolha do modelo de cláusula dependerá dos objetivos dos sócios, da natureza da sociedade e da dinâmica familiar envolvida no caso em questão.

A seguir, traremos alguns destes exemplos de cláusula de sucessão em contrato social, utilizados em caso de falecimento de um sócio – lembrando que este tipo de cláusula pode ser utilizado para prever o destino das quotas em qualquer alteração do quadro societário, não apenas pelo motivo morte.

 

Cláusula de liquidação das quotas

Este tipo de cláusula reproduz a regra geral do artigo 1.028, caput, do Código Civil, estipulando que, em caso de falecimento de sócio, suas quotas serão liquidadas e o valor será pago aos herdeiros. Ainda que seja a regra, a inclusão expressa desta cláusula no contrato reforça a intenção dos sócios e evita possíveis conflitos.

Essa cláusula permite que a sociedade preserve o controle e gestão da empresa, sem alterações no quadro de sócios, uma vez que os herdeiros não terão participação societária.

Mas além de apenas reforçar a intenção dos sócios de seguir a regra, essa cláusula precisa definir claramente o critério de apuração de haveres do sócio falecido, evitando disputas judiciais para a fixação do valor.

Discute-se, inclusive, a possibilidade de utilizar a avaliação do valor das quotas, realizada nos termos do contrato social, como substituição de uma perícia judicial, dispensando-se a necessidade dessa prova em um processo. Embora ainda incipiente, a medida confere maior força vinculativa às deliberações do contrato social, reforça a autonomia da vontade dos sócios e contribui para a celeridade da resolução de eventuais conflitos, reduzindo o risco de longas instruções probatórias em sede judicial.

Por fim, também deve ser levada em consideração a capacidade financeira da empresa para honrar o pagamento das quotas e os prazos para o seu cumprimento.

 

Cláusula de consentimento

A cláusula de consentimento determina que, mediante aprovação dos sócios remanescentes, os herdeiros do sócio falecido poderão ingressar na sociedade.

Essa disposição confere aos sócios remanescentes um maior controle sobre quem ingressa na sociedade, evitando a entrada automática de herdeiros que não tenham afinidade com o negócio ou a experiência necessária.

O contrato social deve especificar os critérios objetivos e o quórum necessário para esse consentimento. Além disso, caso não seja dado o consentimento, a cláusula deverá definir o procedimento a ser seguido e se as quotas serão liquidadas.

 

Cláusula de direito de preferência

A cláusula de direito de preferência define que os sócios remanescentes terão prioridade em relação aos herdeiros na aquisição das quotas do sócio, caso este faleça.

Assim como a cláusula de consentimento, essa cláusula permite que os sócios controlem o quadro societário, desde que exerçam o direito de preferência e adquiram as quotas do sócio falecido. No entanto, depende da capacidade financeira dos sócios remanescentes para exercerem seu direito.

É importante que seja definido um prazo para manifestação do interesse, como serão notificados os herdeiros e o critério para a avaliação das quotas. Além disso, deverá ser apontado quais sócios terão o direito e qual será o procedimento caso ele não seja exercido.

 

Modelos para empresas familiares

As cláusulas de sucessão, no caso da sucessão em empresa familiar, podem ser elaboradas a fim de estabelecer regras para garantir que o controle da empresa permaneça na família do sócio falecido, mantendo, deste modo, o caráter familiar da empresa e o controle com quem tinha vínculos familiares com o fundador.

A cláusula pode prever o ingresso prioritário de determinados herdeiros (por exemplo, filhos que já trabalham na empresa), estabelecer condições para o ingresso (formação acadêmica, experiência profissional) ou criar mecanismos que assegurem a influência da família na gestão. A holding familiar, citada anteriormente, é frequentemente utilizada nesse sentido.

Pode ser elaborada disposição no sentido de proteger a participação do cônjuge sobrevivente em sociedades entre pessoas casadas, garantindo sua posição na sociedade, e também para definir a individualização de quotas entre cônjuges, especialmente sob regimes de comunhão de bens. É de suma importância que o contrato social preveja que as quotas pertencentes ao casal, embora possam ser consideradas patrimônio comum, sejam titularizadas individualmente por cada cônjuge na sociedade.

Isso quer dizer que, em caso de falecimento de um deles, apenas as quotas de titularidade do falecido integrarão o espólio e estarão sujeitas às regras de sucessão do contrato social. As quotas de titularidade do cônjuge sobrevivente não integrarão o espólio e permanecerão sob sua propriedade, evitando que toda a participação do casal seja submetida ao processo sucessório e, potencialmente, liquidada ou diluída.

Independentemente do objetivo, a redação de cláusulas de sucessão em empresa familiar exige uma análise minuciosa da estrutura familiar, do regime de bens dos sócios e dos objetivos de longo prazo para a empresa.

 

Conclusão

A cláusula de sucessão em contrato social é um instrumento importante de planejamento e gestão para qualquer sociedade, especialmente aquelas de caráter pessoal ou familiar. No caso do falecimento do sócio, sua existência evita potenciais conflitos entre herdeiros e sócios remanescentes e protege os interesses e o futuro da sociedade. Para isso, a escolha e redação da cláusula exigem uma análise cuidadosa da estrutura da sociedade, dos objetivos dos sócios e das particularidades familiares.

Assim, diante da complexidade do tema e das implicações legais envolvidas, a elaboração de uma cláusula de sucessão em contrato social que atenda aos objetivos dos sócios e evite incertezas e potenciais litígios, colocando em risco a empresa, requer o acompanhamento de profissionais especializados em direito empresarial e sucessório.

Caso tenha restado alguma dúvida sobre as cláusulas de sucessão em contratos sociais, entre em contato conosco e saiba como podemos ajudar! Também já tratamos de temas relacionados, como o planejamento sucessório, a sucessão em empresa familiar e a incidência do ITCMD na previdência privada.

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